segunda-feira, 23 de maio de 2011

"A ORDEM SEM ORDEM"

A reflexão que venho partilhando, totalmente impírica, e tal como qualquer processo de trabalho em que o ritmo "não é determinado", mas "vai sendo determinado", a ordem dos conceitos é como a sementeira à mão; umas sementes vão para aqui, outras para ali, outras saem até da terra preparada para a receber, outras o vento leva-as para outro lugar, mas no fim, e quando a força da terra o determina, tudo nasce e se ordena. Portanto, às vezes volto ao já dito, depois vou lá para a frente, regresso onde estava, etc.
De facto, o trabalho realizado neste contexto, não obedece - e porventura ainda bem que assim é, designadamente porque abranda o ritmo por vezes alucinante do dia a dia - às regras que determinam a produção de um projecto, artístico, no caso. O interessante, e acontece amiúde, é que, na ausência desse ritmo, acontecem as coisas mais frutuosos e extraordinárias, como que a dizer-nos que o mais importante, pode não ser o produto final, mas umas quantas pequeníssimas coisas que se nos apresentam com frequência. Quantas vezes por entre um cigarro que se enrola, surgem os filhos e até os netos, as memórias da guerra ou as viagens e aventuras mais espantosas. Nessa partilha acontecem as mais notáveis improvizações e aqueles momentos da inspiração mais sublimes. Só depois reparamos que o que aconteceu não foi "o ensaio", mas "um ensaio", e sempre que assim acontece o tempo passa bem mais depressa. Registe-se que estes ensaios são os que verdadeiramente preparam o trabalho final.
Volto à leitura de O REI IMAGINÁRIO do Raúl Brandão e depois a: UMA GOTA DE MEL, de Leon Chancerel. Se no primeiro a história anda em redor de um magistrado que, tal como o mais comum dos cidadãos, se viu envolvido nas teias da justiça, e vai pagar por isso, no segundo, eles são confrontados com a mais perturbadora prova que a mais dramática experiencia humana começa - pode começar - pelo gesto mais inocente. O encontro com este poema fascinante de Chancerel, dá-lhes a oportunidade de se confrontarem com a sua própria experiência. Eles sabem muito bem do que se trata. Esta como que autobiografia, leva alguns a partilharem até o motivo de estarem ali. Não existe acontecimento mais extraordunário que este do teatro: a catarse. Uma contrição. No final de um desses "ensaios" alguém dizia: "obrigado, a porta da cela começa a ficar de cada vez mais aberta apesar de rodada a chave da fechadura"
De novo lá para o princípio: "a diferença entre a prisão e a liberdade é o tamanho do pátio".
Finalmente, por hoje, a PEDRA FILOSOFAL, do Gedeão, aquela coisa do sonho, não é verdade? Foi pretexto não para um ensaio, mas para um "daqueles ensaios".

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